POR QUE A PSICANÁLISE?
- Camila Maria
- 2 de jul. de 2024
- 5 min de leitura
Atualizado: 4 de jul. de 2024
Geralmente quando falo que sou psicanalista a reação quase sempre é de certo estranhamento, seguida de interrogações sobre a diferença entre psicanálise e psicologia - uma questão clássica -; sobre o que um psicanalista faz - pergunta para qual, via de regra, tem conclusão unívoca: "ah....então é só ter a paciência de ficar ouvindo os problemas dos outros", ou algo do gênero; e a minha preferida, "você também precisa de psicólogo/psicanalista, né? (Afirmativa sobre a qual futuramente pretendo tecer alguns comentários).
Mas recentemente me fizeram a seguinte pergunta: "Por que a Psicanálise?" Ao que complementaram: "Você não acha que existem terapias mais novas e tratamentos mais rápidos e cientificamente comprovados como mais eficazes hoje em dia? "
Bom....vamos lá!
A respeito do porque a psicanálise, a primeira coisa que me veio à cabeça, e que compartilho aqui com vocês, é porque me salvou, e continua salvando, de mim mesma e das contigências da vida. Essa seria a minha resposta enquanto sujeito que é atravessada pela experiência de escutar a si mesma. Sobre a segunda pergunta me reservei ao direito de devolver a interrogação com as seguintes questões: por que consideravam a psicanálise como sendo uma terapia, quanto tempo seria indicativo de rápido ou demorado e o que delimitaria a eficácia de algo?
De tempos em tempos a psicanálise tem sua cientificidade questionada. Não é de hoje que tentam regulamentá-la e criaram até mesmo um curso de graduação o que, para quem realmente se dedica a estudá-la em sua ética, é algo impensável, uma vez que não é possível reduzir a clínica psicanalítica aos certames acadêmicos que seguem apenas um molde curricular.
Desde o seu surgimento, a Psicanálise sempre foi alvo de ataques e hoje, em pleno século XXI, isso não é diferente. Elizabeth Roudinesco inicia o seu livro, com este mesmo título, "Por que a Psicanálise?", se perguntando "por que a psicanálise era tão violentamente atacada pelos que pretendem substituí-la por tratamentos químicos julgados mais eficazes porque atingiriam as chamadas causas cerebrais das dilacerações da alma". Substâncias essas que apesar de oferecer um certo tipo de conforto, não podem curar o homem de seu sofrimento psíquico e suas angústias. Na verdade, nenhuma ciência jamais dará conta por completo de todos os impasses do sujeito com o seu desejo inconsciente e conseguirá responder todas as questões acerca da morte, das paixões, da sexualidade ou da relação com o outro.
Parece até anacrônico, que em tempos des CID's (Classificação Internacional das Doenças), DSM's (Manual Diagnóstico e Estatístico das Perturbações Mentais) e Psicologia Positiva, onde o que está em jogo é todo um discurso capitalista que anula o sujeito do desejo; precisamos ratificar a importância da Psicanálise e seus comprovados resultados clínicos, mesmo após mais de cem anos de sua existência.
Com a descoberta do inconsciente e invenção da Psicanálise, Freud engendra mais do que uma ciência, mas uma nova forma de modalidade de laço social. A Psicanálise vem atestar um avanço da civilização frente à barbárie e restaura a idéia renascentista do antropocentrismo; o homem é livre (em termos, pois é servo do inconsciente, mas isso é assunto para outro dia). É livre por sua fala e seu destino não se restringe ao seu ser biológico, pois é inconsciente. O pensamento não pode ser reduzido à conexões neuronais e o desejo está para além das secreções químicas.
A partir de 1950 os psicotrópicos ganharam destaque no dito tratamento dos distúrbios mentais e "modificaram a paisagem da loucura" ao esvaziarem os manicômios e trocarem camisas de força e tratamento de choque (apesar que esta terapêutica, infelizmente, voltou a ser utilizada) por redoma medicamentosa que tem como efeito normalizar comportamentos e eliminar sintomas sem buscar sua significação. No entanto, há mais de 50 anos antes, desde 1890, a Psicanálise já fazia uso de comprimidos, de palavras, no tratamento do sofrimento psíquico. Palavras essas, que segundo Freud são mágicas.
"As palavras são o mais importante meio pelo qual um homem busca influenciar outro; as palavras são um bom método de produzir mudanças mentais na pessoa a quem são dirigidas. Nada mais existe de enigmático, portanto, na afirmativa de que a mágica das palavras pode eliminar os sintomas de doenças, especialmente aquelas que se fundam em estados mentais." (Freud, 1890)
Ao contrário da psicofarmacologia que aliena o sujeito com a promessa de curá-lo da sua própria essência da condição humana, a Psicanálise tem como finalidade a desalienação a partir do momento que dá voz a este sujeito e lhe pergunta "Che Vuoi?" (que queres?). É através da fala que se dá o tratamento psicanalítico. O que me leva a contextualizar que na psicanálise não existem padrões a serem seguidos para que esta aconteça, mas sim algumas condições, ou melhor, recomendações, como nos assinala Freud, em 1912, no texto "Recomendações aos médicos que exercem psicanálise", cabendo apenas uma única ressalva, a existência da regra de ouro da psicanálise: a Associação Livre por parte do analisando e da atenção flutuante por parte do analista.
A regra fundamental do método psicanalítico foi ditada à Freud em 1889, por Emmy von N. quando esta lhe disse, em tom de queixa, que este não deveria lhe perguntar de onde provinha isto ou aquilo, mas que a deixasse contar o que ela tinha a lhe dizer. A partir desse momento se funda a psicanálise como talking cure, a cura pela palavra. O paciente, escreve Freud no final de sua obra,
"deve dizer-nos não apenas o que pode dizer intencionalmente e de boa vontade, coisa que lhe proporcionará um alívio semelhante ao de uma confissão, mas também tudo o mais o que lhe vem à cabeça, mesmo que lhe seja desagradável dizê-lo, mesmo que aquilo lhe pareça sem importância ou realmente absurdo. Se depois dessa injunção ele conseguir pôr sua autocrítica fora de ação, nos apresentará uma massa de material - pensamento, idéias, lembranças - que já está sujeita à influência do inconsciente." (Freud, 1938)
A partir do momento que Freud aceita a proposta de Frau Emmy von N. dá-se início uma psicanálise onde se ratifica a existência e atuação do inconsciente. Ato este que se renova à cada psicanálise, "tendo Freud nos legado a incumbência de reinventá-la a cada vez que como psicanalistas, autorizamos o começo de uma análise." ( Quinet, 1991)
Mas afinal, "Por que a Psicanálise"? Simplesmente porque ela subverte a lógica cartesiana e recoloca em cena a condição humana, que é estar submetido à linguagem. Linguagem esta à qual o sujeito se insere e é inserido por àqueles que o antecedem, pois ele é falado por seus pais mesmo antes da sua concepção e continua sendo falado pelo Outro ao longo da sua vida e, sendo esta fala impregnada de desejo, ela inaugura um sujeito do desejo.
Lidar com o ser humano privilegiando sinais, sintomas e fenômenos é ficar engessado à um saber padronizado sem considerar que toda necessidade humana é carregada de desejo e não instintos e comportamentos padrões. Os sintomas até podem ser semelhantes, mas para cada sujeito o significante em questão terá significados incontestáveis e estará submetido à uma verdade particular de cada um. Com isso, é preciso lembrar do que Freud insistia em dizer a seus leitores: é preciso tomar cada caso como único; e é isto que tanto me fascina na psicanálise, seja como sujeito, seja como psicanalista.
[ por Camila Grasso ]
Comments